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Usinas investem para tornar produção mais limpa

06 agosto 2013
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A cadeia produtiva do biodiesel já investe em mecanismos para tornar a produção do biocombustível mais ecológica, reduzindo o uso de água e a geração de efluentes no processo de fabricação

Vinicius Boreki, Curitiba

Crédito Divulgação Bianchini-Vitor F. Kalsing

Discutir os benefícios do uso do biodiesel para o meio ambiente soa como chover no molhado, especialmente se o nosso referencial comparativo forem os combustíveis fósseis – não renováveis e comprovadamente causadores das temidas mudanças climáticas. No entanto, antes de confirmar essa imagem, é preciso olhar para o processo de fabricação das usinas. Afinal, adianta muito pouco fabricar o remédio se no processo causarmos a doença.

Portanto, para completar sua “credencial verde”, o biodiesel também precisa comprovar sua eficiência ambiental da porta da fábrica para dentro. E uma maneira de fazer isso é ver de que forma as empresas do setor vêm se esforçando para diminuir a quantidade de efluentes gerados durante a produção do biocombustível.

Nos últimos meses, muitos fabricantes de biodiesel dos Estados Unidos, com o propósito de valorizar o seu trabalho, vêm martelando a imagem de indústrias “desperdício zero”. Com isso, eles querem mostrar que estão reduzindo o consumo de água na produção para, dessa forma, evitar o descarte de efluentes líquidos no meio ambiente. Pode até ser que esse discurso penda para o marketing, mas, ao fazer isso, as usinas americanas declaram publicamente seu comprometimento com a causa e, assim, podem ser cobradas.

Esse mesmo receio e interesse não pode ser percebido com a mesma intensidade pelas bandas de cá. De acordo com a Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), não há levantamento ou estimativa segura sobre a geração de efluentes pela cadeia do biodiesel. Como cada usina aplica tecnologias diferentes em seu processo produtivo, a geração de resíduos também pode variar.

Lavagem

Em que pese toda a preocupação com o destino a ser dado para as montanhas de glicerina fabricadas junto com o biodiesel (aproximadamente 10% do volume fabricado pelas usinas corresponde a esse coproduto), a verdade é que ela não merece o rótulo de efluente. Além de contar com um mercado consagrado capaz de absorver boa parte do que sai das usinas, há novas opções para seu aproveitamento sendo pesquisadas [veja reportagem “Rei morto, rei posto” na última edição de BiodieselBR e infográfico nesta mesma reportagem]. De maneira geral, o maior problema do processo produtivo do biodiesel é a água de lavagem.

Na etapa final da produção, o biocombustível é submetido a um processo de lavagem com água, com o propósito de eliminar impurezas e aumentar sua qualidade. Essa etapa pode ser repetida por até cinco vezes, variando conforme a matéria- -prima. O problema é que, depois disso, toda essa água acaba contaminada com glicerina, ácidos graxos e alcoóis, e requer cuidados antes de ser despejada no meio ambiente. “O processo de lavagem do biodiesel, de maneira geral, faz com que surjam efluentes, que devem ser tratados por meio de uma estação de tratamento antes de retornarem ao meio ambiente”, explica Nei Hansen, professor do curso de Engenharia Química da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e coordenador de uma unidade piloto de fabricação de biodiesel etílico. “Essa água está contaminada e precisa passar por tratamento”.

Não estamos falando de pouca água. De acordo com o estudo “Tratamento da água de purificação do biodiesel utilizando eletrofloculação”, para purificar cada litro de biodiesel consome-se, em média, três litros de água. “Apesar de ser um recurso renovável e pouco agressivo ao meio ambiente, o processo de produção do biodiesel ainda precisa ser oti-mizado. Antes de estar pronto para o consumo, o biodiesel deve ser purificado para retirar o excesso de catalisador, álcool, sabão proveniente da reação, óleos e graxas e glicerol residual”, revela o trabalho, assinado por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais.

Em 2012 o Brasil produziu 2,7 bilhões de litros de biodiesel. Se levarmos em conta a proporção estabelecida pelo estudo, seriam necessários 8,1 bilhões de litros de água para assegurar a limpeza do produto. Considerando que as Nações Unidas estimam que cada ser humano precisa de 110 litros diários para suas necessidades básicas, estamos falando de um volume que poderia atender 201,7 mil pessoas por ano. Isso tudo com o atual B5. Se a mistura for aumentada, a conta ficará ainda maior – se o setor produtivo não investir em mecanismos para reduzir a necessidade de água de lavagem.

Contudo, os efluentes industriais do setor não são tão ruins quanto se poderia imaginar. Eles são menos danosos ao meio ambiente, por exemplo, do que o depósito de resíduos em aterros sanitários ou o tratamento do esgoto doméstico – ambos os quais geram o perigoso gás metano. Ainda assim, os efluentes líquidos causam problemas se despejados no meio ambiente sem tratamento.

Novas tecnologias

De maneira geral, o setor aposta no reuso da água para diminuir o consumo. A água de lavagem é tratada e reaproveitada pelas próprias usinas. Segundo o diretor superintendente da Aprobio, Julio Minelli, o biocombustível gera relativamente pouco resíduo se comparado com outros produtos industriais. “A geração de resíduos é pequena, e vai além das exigências específicas dos órgãos ambientais que as licenciaram”, explica.

O reaproveitamento da água é regra para as usinas da Petrobras Biocombustível (PBio). Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa informa que os efluentes gerados são purificados numa Estação de Tratamento (ETE) da própria companhia, o que faz do seu processo “pouco intensivo” no uso de água. De acordo com a PBio, o biodiesel apresenta um resultado mais correto ambientalmente do que os combustíveis fósseis, até mesmo na compa-ração do uso de água. “É possível afirmar que o biodiesel é ecologicamente correto, pois seu consumo relativo de água é inferior na comparação com o combustível fóssil”, afirma a nota em resposta aos questionamentos desta reportagem.

A fim de tornar seu processo o mais próximo possível do “desperdício zero”, a PBio usa tecnologia da empresa norte- -americana Crown Iron Works, que trabalha a água em circuito fechado – a água de lavagem é tratada e reutilizada no próprio processo de purificação do biodiesel. Isso praticamente zera o consumo de água nova. Em seu Plano de Negócio e Gestão para o quadriênio 2013-2017, há a previsão de investimento de US$ 300 milhões para incrementar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias para os biocombustíveis. “Parte destes recursos foca na melhoria da eficiência operacional das usinas”, afirma a PBio.

Há um incentivo econômico muito claro para tornar o processo mais eficiente. “Em algumas fábricas pode haver água de lavagem do biocombustível, mas mesmo as impurezas retiradas do biodiesel são filtradas”, diz Minelli, lembrando que o ácido graxo do óleo de soja – outro subproduto importante das usinas, mas que tem menos visibilidade – tem encontrado destinos. Segundo a Aprobio, o material está sendo revendido para outras indústrias ou até reprocessado pelas usinas de biodiesel. A edição de março do Boletim Mensal do Biodiesel da ANP indica que 1,1% do biodiesel fabricado no Centro-Oeste no mês de fevereiro teve o ácido graxo como matéria-prima. Portanto, não se trata apenas de uma questão ambiental, visto que a redução dos efluentes é benéfica para o equilíbrio financeiro das usinas.

Essa preocupação é tão enraizada que os próprios fornecedores de equipamentos industriais a incluem no design de seus produtos. “Sempre temos o objetivo de desenvolver e oferecer ao mercado processos mais eficientes e mais sustentáveis. Este é um conceito mandatório em nossa empresa e uma exigência cada vez mais perceptível no mercado”, afirma José Olivério, vice-presidente de Tecnologia e Desenvolvimento da Dedini.

As falas da PBio e de Olivério mostram que, apesar da falta de dados setoriais, existe a preocupação em fazer investimentos na área – tanto por razões ambientais quanto pelos resultados financeiros. Olivério explica que todos os resíduos e subprodutos gerados numa planta de biodiesel são reprocessados para ganhar nova aplicação comercial. “Estamos trabalhando no sentido de desenvolver a tecnologia para aproveitar novas matérias-primas que tornem o processo de biodiesel mais competitivo quando comparado ao diesel tradicional”, diz.

A melhora na eficiência, aliás, tornou-se uma necessidade para todas as usinas, sob pena de não conseguirem renovar sua licença de operação. “Os efluentes gerados devem ser tratados de acordo com as normas definidas pelos órgãos ambientais de cada estado, a quem as usinas submetem as soluções empregadas. Para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) renovar a operação, a licença ambiental precisa ser respeitada”, diz Minelli, da Aprobio.

Glicerina

O coproduto já se tornou um negócio importante para a indústria. Nos próximos cinco anos, o comércio global do produto deve movimentar cerca de US$ 2,1 bilhões, conforme a previsão do relatório Transparency Market Research. A demanda crescente em ramos industriais – cosméticos e farmacêutico, sobretudo – deve colaborar para um aumento superior a 50% em relação aos 2 milhões de toneladas consumidas pelo mercado em 2011. Nos últimos anos, a substância passou a ganhar a atenção de outros setores, especialmente a área de plataformas químicas renováveis. A glicerina, aos poucos, deixou de ser o patinho feito do negócio de biodiesel e está ganhando importância como fonte de renda adicional para as usinas.

Para se ter ideia da dimensão desse mercado, segundo números do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em 2012 o Brasil faturou US$ 46,1 milhões com a exportação de glicerina, aumento de 10,2% em comparação com 2011.